sexta-feira, novembro 13, 2015

Adeus, Rogério. Duas décadas passam como um filme (ou post) no coração tricolor



Triste lembrar que meus pais se desfizeram de uma camisa do Zetti que eu adorava. São-paulinos da minha idade certamente invejariam essa relíquia, aquele uniforme perpendicular com o autógrafo embaixo do distintivo. Há pelo menos 20 anos não tenho tamanho para entrar na roupa, mas a guardaria com carinho em uma gaveta por décadas até encontrar um sucessor... Paciência.

Tudo que remete ao São Paulo do início dos anos 90 é muito místico, foi uma equipe que simplesmente mudou a percepção dos brasileiros sobre Libertadores e redimiu Telê Santana. Comecei a formar meu caráter futebolístico no fim dessa época, quando éramos soberanos e não precisávamos produzir peças de marketing afirmando isso.

Apesar de sempre ter amado aquela camisa do Zetti, não me recordo tão bem das suas defesas para criar uma forte identificação. Por exemplo, do bimundial, quando tinha 5 anos, lembro do meu pai com uma bandeira na sala de casa, mas não tanto do jogo contra o Milan em si. Honestamente, minhas primeiras memórias nítidas são de 1994, uma delas muito marcante: quando nosso time de juniores, o sensacional Expressinho, eliminou o Corinthians titular na semifinal da Copa Conmebol.

Estava na mesma sala do bimundial, com a mesma bandeira, porém agora atento à televisão quando nosso goleiro reserva brilhou na decisão de pênaltis contra o maior rival. Ganhei um ídolo naquela noite, embora nunca pudesse imaginar a dimensão que ele alcançaria.

Pouco depois daquela experiência, em uma consulta médica, fui perguntado sobre o meu jogador favorito do São Paulo. O doutor queria puxar assunto, eu estava todo uniformizado... Ainda na êxtase daqueles pênaltis, lembro de responder Rogério. Nome que o fez pensar um pouco: "pera aí, o goleiro reserva?". Esse mesmo!

Não voltaria a dar essa resposta por alguns anos. O garoto promissor herdou a camisa de Zetti, porém, conforme cresci, em tempos muito mais modestos que os de Telê, passei a admirar principalmente a eficiência de França, o começo meteórico de Denilson e Dodô, a classe de Marcelinho Paraíba e a frieza de Aristizábal. Ah, sem esquecer do subestimado meia Vágner, que jogava muito, mas era expulso com uma frequência quase luísfabianesca.

Era legal ter um goleiro confiável que vestia camisas de caminhãozinho e fazia gols de falta. Além do mais era sósia do Luciano Huck e estava em fase tão boa que até foi lembrado por Zagallo e Luxemburgo para a seleção. Todos viam potencial e estavam satisfeitos, mas, como imaginaríamos que iria tão longe?

Aos poucos dava para ter uma ideia. Em 1999, Marcos foi a estrela da Libertadores palmeirense e o Corinthians tinha um Dida monstruoso. No São Paulo se falava mais sobre o goleiro reserva, Roger, que entrou em atrito com o técnico Carpegiani por posar nu. O titular, apenas Rogério (sem o Ceni), era excelente, porém ainda longe de ser um mito.

Por melhor que fosse o camisa 1 tricolor, ele pouco podia fazer para compensar a fragilidade de zagas formadas por Wilson, Jean, Paulão, Nem e companhia. Nosso futuro herói sofria como todos nós naqueles dias de trapalhadas dentro e fora do campo. Hoje temos Iago Maidana? Há 15 anos tivemos Sandro Hiroshi. Aidar? Uma versão piorada dos Bastos Neto. Doriva? Mário Sérgio.

Rogério começou a crescer justamente quando chegamos ao fundo do poço. Sim, a história é cíclica, essa crise de hoje me lembra muito a ressaca da década de 90 - com a diferença que antes perdemos de 7 para Lusa e Vasco e chegamos a ficar 10 anos sem sequer disputar Libertadores (importante ponderar também que na maior parte desse período o Brasil tinha apenas 2 vagas no torneio).

Hoje não temos motivos razoáveis para crer em dias melhores tão cedo. Em 2000, numa situação similar, começamos a nos reerguer com o início da maturidade do nosso goleiro. Ele virou Ceni, se firmou como capitão, aumentou a cada ano sua média de gols de falta (até chegar às absurdas temporadas de 2005 e 2006), marcou na final do Paulista contra o Santos, foi chave no vice-campeonato de uma Copa do Brasil perdida apenas por um triste vacilo, ganhou Bola de Prata da Placar, foi titular da seleção de Leão (e, se a memória não me trai, chegou perto de fazer seu gol com a camisa do Brasil, contra o Peru, no Morumbi).

Teve, sim, a mal explicada história da proposta do Arsenal, um fato isolado e pequeno em 25 anos de lealdade. Rogério talvez tenha usado de argumentos falhos para pedir um aumento salarial quando poderia ter feito isso apenas ressaltando sua crescente liderança no clube. Pode ter errado, pois o mito naqueles dias ainda era humano. Fato é que depois disso nunca fez corpo mole ou tentou lesar o São Paulo - pelo contrário, se dedicou cada dia mais. Apagou qualquer equívoco com o suor e a entrega de um simples dia de treinamento.

Se tornou mito porque treinou muito, encarou a profissão com uma seriedade incomum em qualquer área. Como não ser grato? Ainda seriam necessários alguns anos para colher os frutos de tanta dedicação, porém tudo foi recompensado ao seu tempo… 

No Brasileiro-2002, último ano de mata-mata, tivemos campanha superior a alguns campeões dos pontos corridos, mas não levamos. Em 2003 perdemos Kaká, um futuro melhor do mundo, sem ganhar mais do que curtos Rio-São Paulo e Super Paulistão. Em 2004 a retranca do Once Caldas nos tirou da final da Libertadores.

Eu não vivenciei jejum semelhante aos 13 anos sem títulos que meu pai encarou antes da construção do Morumbi, mas, diante de tantos baques, ia me acostumando com baixa autoestima futebolística e frustrações em jogos importantes.

Lembro bem onde estava em cada uma daquelas eliminações e esperava por novas. Apenas olhos muitos atentos saberiam dizer que nosso time estava evoluindo - e alegrias enormes estavam por vir.

Em meio a tudo isso, Rogério era cada vez mais líder. E treinava, melhorava. Treinava, treinava, treinava, treinava. Melhorava. Perdia, mas não desanimava. Treinava, treinava e treinava. Sem isso o São Paulo não se reergueria, não da forma que foi. O ano de 2005 foi simplesmente mítico.

No Paulista nossa campanha avassaladora não deu nem graça. No Brasileiro ganhamos de 5 do Corinthians no Pacaembu, não precisávamos fazer mais muito. E vencemos a terceira Libertadores! Com um goleiro sendo nosso artilheiro do torneio... E liderando uma equipe vencedora que passava uma confiança não sentida pelos tricolores há 12 anos.

Sou grato a muita gente por aquele momento. Desde Rojas, que nos fez voltar à Libertadores ainda em 2003, até Cuca, responsável por formar o quarteto mágico do Goiás (Fabão, Josué, Danilo e Grafite), além de Leão, Autuori, presidente Marcelo Portugal Gouvêa, obviamente todos os jogadores e meu pai, que me fez são-paulino. Mas nenhum deles poderia levantar a taça antes do maior responsável pela glória alcançada naquele 14 de julho de 2005, nosso (mais do que nunca) eterno capitão.

Já era impossível desassociá-lo ao São Paulo. E ainda teríamos outros 10 anos para vê-lo em campo…

Mas esses seriam muito diferentes dos 10 anteriores, iniciados com aquelas defesas de pênalti contra o Corinthians na Conmebol. Agora sabíamos que estávamos diante do nosso maior ídolo, um mito que foi gigantesco em todos os quesitos: longevidade, amor à camisa, títulos e excelência.

E ele construiu tudo por seus méritos, esforço e talento únicos. Tudo que veio depois pode ser contado mais sucintamente, são apenas outras façanhas de um mesmo mito: o jogo contra o Liverpool, os 3 brasileiros, os primeiros recordes, o centésimo gol no Corinthians, a liderança de sempre, as preleções, a incansável dedicação, as marcas (especialmente gols marcados e jogos por um mesmo clube) que não param de aumentar e dificilmente serão superadas. Aliás, se forem, certamente quem o fizer não será um mortal e levará pelo menos mais 25 anos.

Também não me incomoda nada falar dos momentos ruins: a falha na final da Libertadores-2006, sequências de pênaltis mal batidos, os gols de cobertura contra o Palmeiras neste ano, alguns frangos lamentáveis, outros frangos superdimensionados, o atual jejum de títulos... Tudo isso faz parte.

Quem chama Rogério de frangueiro ou, pior ainda, diz que é "mediano embaixo do gol", basicamente não vê futebol com seriedade. É justo preferir outros goleiros ou apontar suas falhas quando acontecem, mas tentar questionar o talento e a grandiosidade de alguém com essa história é pura dor de cotovelo (para não dizer estupidez).

Outras críticas, que é "mala", "arrogante", "falso", "se aposentou tarde", etc. até têm sua razão de ser. Ainda assim, discordo. A personalidade forte pode ser um defeito às vezes, mas admiro Rogério por ter se feito querido graças a suas conquistas, não por querer agradar a quem quer que seja. Da mesma forma, um profissional tão exigente consigo mesmo apenas prolongou tanto a carreira por acreditar ter condições.

Para mim, mesmo obviamente fora da melhor forma, ele, aos 42 anos, ainda é seguro e essencial para o time. Buscando apenas um exemplo, talvez se Ceni não jogasse no sacrifício contra o Ceará há dois meses, em um jogo que precisávamos de 3 gols fora de casa, tivéssemos caído antes na Copa do Brasil. O nosso São Paulo de tantas glórias está afundado em problemas e precisa se reinventar, mas não vejo a permanência de Rogério como um deles.

Pelo contrário, difícil projetar o futuro sem ele. Simplesmente porque o mito está lá desde que comecei a acompanhar o tricolor de perto, mesmo antes de saber que se tratava de um mito. E hoje foi marcado o amistoso da sua despedida, começa a cair a ficha e um filme passou em frente aos meus olhos com tudo o que escrevi.

Uma nova era de futebol se inicia para mim: sem o uniforme do Zetti, sem Rogério em campo. Com a certeza de que nunca verei nenhuma camisa ou goleiro e sequer jogador igual.

Para que seguir acompanhando futebol então? Porque o futebol seguirá sendo fantástico, um dia houve Rogério Ceni.

Tudo bem, essa é a vida... Chegou a hora. Ciclos se encerram, mitos são eternos.

Desolado pelo fim, mas agradecido por tudo que vi.

1 Comentários:

Blogger Unknown disse...

Belo texto rapaz acho que resume bem o que todos nós tricolores pensamos e sentimos a respeito!

9:21 AM  

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